As roupas fazem as pessoas (Kleider machen Leute), do poeta e escritor suíço Gottfried Keller escrito em 1874, é a história de um aprendiz de alfaiate que, após a falência da alfaiataria onde trabalhava, empreende uma viagem a pé a uma cidadezinha vizinha. No caminho, aceita a carona do cocheiro de uma carruagem elegante e, por isso, e também por estar muito bem vestido (embora não possua um tostão sequer), chegado à hospedaria da cidade, é tomado por um nobre polonês e adulado pela população local, o que traz consequências que mudam o curso de sua vida.
Esse conto de Keller me fez lembrar de um caso análogo ocorrido no Rio de Janeiro em 2020.
É a história de Alfredo de Mello Santana Neto. Mais conhecido pelas bandas de Bangu como Alfredinho, o almofadinha.
Filho único de D. Mariazinha - cozinheira de mão cheia - que trabalhou por anos na mansão da família Guinle.
Na adolescência, ajudava sua mãe a servir aquela pessoas tão distintas. Prestava atenção em tudo. Como seguravam as taças, como usavam aquela bateria de talheres bem ordenados ao lado dos pratos, a forma de falar, os gestos, e principalmente a elegância das roupas. Os ternos em especial.
Assim acabou de tornando um gentlema, um verdadeiro cavalheiro.
Daí surgiu sua alcunha em Bangu de "almofadinha".
Ele não era muito afeito aos estudos. Péssimo em matemática e ciências mas consegui ser formar no ginásio.
Aos 20 anos, a pedido de sua mãe, e por influência política dos Guinle, Alfredinho conseguiu uma nomeação para o serviço público federal.
Foi designado para o Banco Central.
Trabalhava única e exclusivamente no andar da diretoria. Atendia a todos e participava de todas as reuniões.
Muito educado, sempre solicito e elegante com seus ternos feitos sob medida pelo alfaiate Spinelle, que tinha como slogan a frase "Adão não se vestia porque Spinelle não existia".
Era querido, admirado e imprescindível. Alfredinho era o homem do cafézinho.
De segunda a sexta, tinha um ritual rígido. Às 17h00 escovava seu terno, lustrava os sapatos e pegava o metro da estação Presidente Vargas para a estação General Osório em Ipanema.
Atravessava a praça e atentrava no seu paraíso, o pub Fox.
Sentava ao balcão e esperava seus cinco parceiros de happy hour. Um decano da UFBA, um general reformado, um advogado famoso, um grande empresário da construção civil e um ex senador da República.
Aquilo sim era uma turma descente, não aquela turba dos botecos pé sujo de Bangu.
Assim que chegava, Ditão o barman, o recebia com alegria.
- "Dr. Alfredo! Como vai? Posso servir o de sempre?"
Alfredinho adorava a calorosa recepção. As vezes tinha vontade de a toda hora chamar Ditão só para ouvir o "Dr. Alfredo..."
As conversas com seus parceiros de copo eram sempre animadas. Quando o assunto era economia ele dava show. Afinal ele estava sempre com os diretores do BC e participava por força de profissão de todas as reuniões. Estava sempre bem informado. Todos tinham aquele senhor tão distinto e elegante em alta conta.
Em um dia que as Cidade Maravilhosa foi assolada por uma tempestade, as entregas de bebidas atrasaram.
No final da tarde chegam as cervejas.
Quando a porta se abre e o entregador entra com seu carrinho lotado de caixas, Alfredinho empalideceu.
Era Tonhão, seu vizinho.
Os olhares se cruzam e Tonhão de imediato fala:
- "Alfredinho!! Você aqui? Tá podendo hein? Olha, não esquece que domingo é o aniversário de Zé Gordo com feijoada e sambão lá no buteco da Maroca. Aliás ela está lhe procurando. Vai precisar de um garçom extra."
Todos os olhares se voltaram para o Dr. Alfredo. Este se fez de ofendido e saio atrás do entregador como se fosse tirar satisfações e nunca mais voltou.
Duas semanas depois Tonhão volta ao Fox para nova entrega e Ditão pergunta se ele tinha notícias do Dr. Alfredo que nunca mais apareceu.
- "Alfredinho?? Morreu. Dizem que foi depressão aguda."
Morrendo de rir.